Cabo Verde, um pequeno país insular no Oceano Atl?ntico, enfrenta um momento decisivo no seu processo de adapta??o aos efeitos das altera??es climáticas. O Relatório sobre o Clima e Desenvolvimento de Cabo Verde (CCDR) revela uma dupla realidade - por um lado, vulnerabilidades gritantes e, por outro, oportunidades de inova??o e sustentabilidade. O relatório tra?a um rumo ousado e necessário para que o país n?o só sobreviva como prospere face à transforma??o.
Uma amea?a crescente
A geografia de Cabo Verde torna-o excecionalmente vulnerável. A subida do nível do mar amea?a as suas deslumbrantes linhas costeiras, das quais depende grande parte da indústria turística do país. Sendo um país com escassez extrema de água, as secas mais frequentes e intensas e a intrus?o salina p?em em risco a sua agricultura, uma fonte fundamental de rendimento e seguran?a alimentar para as comunidades rurais. O aquecimento dos oceanos e a sobrepesca amea?am o setor das pescas, que representou 72% das exporta??es em 2021. Ao mesmo tempo, a sua dependência de combustíveis fósseis e alimentos importados deixa-o exposto às flutua??es dos mercados internacionais. Estas vulnerabilidades d?o uma imagem preocupante: sem a??o, as altera??es climáticas poder?o reduzir o PIB do país até 3,6% em 2050. As receitas do turismo, por si só, poder?o registar uma quebra de 10%, o que constitui um duro golpe para a espinha dorsal da economia.
No entanto, a CCDR defende que, com uma a??o decisiva, a na??o pode transformar esta crise numa oportunidade para reimaginar o seu caminho de desenvolvimento.
Uma vis?o para a transforma??o
A mensagem da CCDR é clara: a resiliência e a sustentabilidade devem definir o futuro de Cabo Verde. O país estabeleceu um objetivo ambicioso de atingir uma penetra??o de 100% de energias renováveis até 2040, uma mudan?a que diminuirá a dependência de combustíveis importados caros, reduzindo o custo da eletricidade e gerando poupan?as na importa??o de combustíveis no valor de 1,8 mil milh?es de dólares (com desconto) entre agora e 2050. Os investimentos em energia solar, eólica e outras energias renováveis oferecem múltiplos dividendos, refor?ando a seguran?a energética, abrindo oportunidades para a mobilidade eletrónica, a dessaliniza??o com baixo teor de carbono e tornando-se um centro de servi?os digitais, ao mesmo tempo que criam empregos em setores verdes emergentes.
A energia é apenas uma parte da solu??o. O turismo deve evoluir para se tornar mais resiliente e diversificado. A CCDR salienta a import?ncia de ir além do turismo de "sol e praia", investindo no ecoturismo, no turismo criativo e cultural, no iatismo e na pesca desportiva, que s?o menos vulneráveis aos riscos climáticos e oferecem oportunidades de expans?o para além da atual concentra??o geográfica no Sal e na Boa Vista. Esta diversifica??o é fundamental para manter a competitividade de Cabo Verde no mercado global, protegendo simultaneamente os seus frágeis ecossistemas.
A economia azul também tem um potencial imenso. Cabo Verde pode aproveitar os seus vastos recursos oce?nicos através da pesca sustentável, da aquacultura e de medidas de prote??o costeira. Uma abordagem integrada de gest?o da água e da terra será crucial para refor?ar a seguran?a alimentar e aumentar a produ??o alimentar, a fim de reduzir as importa??es de alimentos, que representam 80% do consumo interno de alimentos. Os investimentos em tecnologias de dessaliniza??o com baixo teor de carbono podem ajudar a resolver a quest?o premente da escassez de água, garantindo que as comunidades, os agricultores e as indústrias tenham acesso a este recurso fundamental.
A existência de infra-estruturas resilientes é outra pedra angular da estratégia. As estradas, os portos, os aeroportos e as infra-estruturas urbanas devem ser planeados e melhorados sempre que necessário para resistir à crescente frequência e magnitude dos fenómenos extremos. Ao incorporar o risco climático no planeamento e nas opera??es das infra-estruturas, Cabo Verde pode garantir que a sua economia e as suas comunidades permane?am ligadas e seguras, mesmo face a choques climáticos. Aumentar e assegurar a conetividade inter-ilhas será crucial para prestar servi?os à sua escassa popula??o e promover a logística e as cadeias de valor.
Mobiliza??o de recursos para a a??o climática
A concretiza??o desta vis?o requer recursos substanciais. A CCDR estima que Cabo Verde precisará de investir aproximadamente 140 milh?es de dólares americanos anualmente - cerca de 6% do seu PIB - até 2030 para lidar com os seus desafios climáticos e de desenvolvimento. Este nível de investimento exige um esfor?o coordenado entre os setores público e privado, bem como o apoio da comunidade internacional.
Os mecanismos de financiamento inovadores desempenhar?o um papel fundamental. Cabo Verde pode aproveitar os mercados de carbono e o financiamento concessional para atrair os fundos necessários. A troca de dívida por desenvolvimento é promissora e, quando as restri??es à contra??o de empréstimos diminuírem, Cabo Verde poderá considerar a emiss?o de obriga??es ligadas à sustentabilidade. As parcerias público-privadas também ser?o fundamentais, especialmente em setores como a energia, a gest?o de resíduos e os transportes. No entanto, o financiamento por si só n?o é suficiente. Uma governa??o forte e um quadro jurídico favorável s?o essenciais para garantir que os recursos s?o utilizados de forma eficaz e que os objetivos climáticos s?o integrados no planeamento nacional. O país já deu passos significativos nesta dire??o com a ado??o da sua Lei das Altera??es Climáticas de 2024, que dá prioridade à adapta??o e à resiliência em todos os setores.
Um futuro construído sobre oportunidades e um apelo à a??o coletiva
Embora os desafios sejam imensos, a CCDR salienta que uma a??o climática rápida e ambiciosa pode colher grandes dividendos para Cabo Verde. Ao investir em energia verde, turismo sustentável, gest?o integrada da água e da terra e economia azul, Cabo Verde pode compensar os efeitos negativos das altera??es climáticas e estimular o crescimento e a inova??o. Estes esfor?os também melhorar?o a resiliência externa da na??o, reduzindo a sua dependência das importa??es de combustíveis e alimentos e criando novas oportunidades de emprego.
O relatório sublinha igualmente a import?ncia da inclus?o. A a??o climática n?o deve deixar ninguém para trás, particularmente os grupos vulneráveis como os jovens, as mulheres e as comunidades rurais. Programas de prote??o social, educa??o e forma??o de competências podem garantir que todos os cabo-verdianos beneficiem da transi??o.
A CCDR de Cabo Verde n?o é apenas um relatório - é um apelo à a??o. Exorta o governo, o setor privado, a sociedade civil e os parceiros internacionais de desenvolvimento a unirem for?as na constru??o de um futuro mais resiliente e sustentável. Os riscos s?o elevados, mas também o s?o as recompensas. Com os investimentos e as políticas corretas, Cabo Verde pode transformar as suas vulnerabilidades em pontos fortes e tornar-se um modelo global de sustentabilidade.
N?o se trata apenas de nos adaptarmos a um mundo em mudan?a. Trata-se de moldar um futuro em que as pessoas e o ambiente de Cabo Verde prosperem juntos. Ao fazê-lo, a na??o pode inspirar outros pequenos Estados insulares a seguir o seu exemplo, provando que, mesmo perante a adversidade, a a??o ousada e a vis?o coletiva podem transformar desafios em oportunidades.